Para entender o problema humano
Prof. Dr. José Marques de Melo¹
Fiel ao espírito do tempo, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - INTERCOM - vem adotando a estratégia de focalizar temas da atualidade em seus congressos anuais.
Neste ano, a comunidade acadêmica sinalizou claramente sua preferência pela questão ambiental. O recorte “Mídia, Ecologia e Sociedade” emergiu como eixo consensual do Congresso agendado para a cidade de Natal.
Precedido pelo debate realizado em todas as partes do território brasileiro, nos congressos regionais de Guarapuava (Paraná), São Paulo (SP), Dourados (Mato Grosso do Sul), São Luis (Maranhão) e Boa Vista (Rondônia), projetou-se inevitavelmente o viés que tem pautado essa discussão.
Não foi possível eclipsar o pânico que se instaura em todos os quadrantes, motivado pela sensação de que o “efeito estufa”, o “esfriamento do planeta” e outros indicadores alarmantes podem conduzir nosso planeta à destruição.
Diante dessa perplexidade, não falta quem transforme automaticamente a indústria mídiática em bode expiatório, atribuindo-lhe papel negativo, pela cobertura que a ecologia recebe nas páginas dos jornais impressos ou nas manchetes dos telejornais. Não seria demasiado acrescentar que a elite, inclusive a intelectual, converteu a mídia em vilã do mundo contemporâneo.
Essa condenação unilateral vem minando a auto-estima da corporação jornalística, perceptível no “complexo de culpa” denotado por inúmeros profissionais que comparecem à cena pública para debater a questão. Desta maneira, legitimam ingenuamente os movimentos que pretendem acionar mecanismos de controle da informação. Agem como se a filtragem do noticiário despoluísse o meio ambiente e o cerceamento da liberdade de expressão impedisse a destruição do pulmão ecológico simbolizado pela floresta amazônica.
Por isso mesmo, a diretriz que propus aos meus colegas da INTERCOM foi a de que o debate de Natal não fosse contaminado pelo vírus reproduzido nos fóruns ambientalistas. Ou seja, evitasse a colocação da mídia no banco dos réus. Ao invés de responsabilizá-la genericamente pela mazelas da sociedade, promovesse um inventário crítico das suas potencialidades preventivas. Deslocando o eixo analítico da “cobertura” para melhor discernir o “conteúdo”, poderíamos dar passos decisivos no sentido de equilibrar satisfatoriamente a relação homem-natureza. Enfim, desejávamos alterar a “agenda”, neutralizando a tentação “apocalíptica” que vem consumindo as energias de uma academia quase à deriva...
Deslocar a questão ecológica do gueto político-ambientalista em que tem sido enclausurada, de forma sensacionalista, para situá-la no irrestrito universo sócio-cultural, constitui a ambição tática dos organizadores do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Sua realização não teria sido possível sem o respaldo das agências nacionais de fomento científico - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, Fundação Nacional para o Aperfeiçoamento do Pessoal Docente - CAPES, bem como de entidades de interesse público como o Programa Globo-Universidade, Canal Futura, além de uma instituição inter-governamental como a UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - através de unidades acadêmicas operantes no Brasil, México e Espanha.
Foi também decisivo o apoio recebido da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - e suas parceiras regionais: Universidade Potiguar, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte e Faculdade FATERN Gama Filho.
Finalmente, cabe registrar que o fórum de debates sobre mídia, ecologia e sociedade foi agendado na cidade de Natal, no ano em que o Brasil comemora 110 anos de nascimento do humanista potiguar Luis da Câmara Cascudo, responsável pela preservação do maior patrimônio brasileiro, a cultura do seu povo.
Seu instigante conceito de ecologia está implícito na concepção original do evento. Vale a pena resgatá-lo:
“A ecologia, como um sistema de vasos comunicantes, provoca, adapta, modifica, anima, mantém o movimento da população... (...) A ecologia teve suas épocas de esplendor, de grande prestígio... (...) A educação, forma simpática da ecologia espiritual, possui suas transfigurações e baseou desmarcadas esperanças. (...) A educação não faz melhores, mas sim os aptos. (...) Da radiosa panacéia educacional restam a lição de prudência e os elementos reais para o entendimento do problema humano...”
Natal, setembro de 2008
¹ Fundador e Presidente de Honra da INTERCOM, integra o Conselho Curador da associação. Professor Emérito da Universidade de São Paulo, exerce o cargo de Diretor-Titular da Cátedra UNESCO de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.
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