Mulheres e crianças ganham
programação
exclusiva nos vinte primeiros anos do Rádio
Tereza
Cristina Tesser
Universidade Católica dos Santos – UniSantos
Faculdades Integradas de São Paulo - Fisp
O
Rádio é um veículo fascinante. Através do som e das vozes brinca com o
imaginário dos ouvintes. Quando de sua implantação no Brasil os artistas
precursores lutaram com muita dificuldade e a improvisação foi a escola dos
pioneiros.
Ao
se estudar os vinte primeiros anos do Rádio (1923 a 1943), a impressão que se
tem é que apenas os homens povoavam esse universo. Contudo, ao pesquisarmos
esse período, percebemos que as mulheres tiveram uma participação significativa.
Atuaram como cantoras, radioatrizes e locutoras. Comandavam programas, falavam
de suas dificuldades com seriedade. Conheciam o papel que desempenhavam na vida
de suas ouvintes, onde a submissão era total e o mundo girava apenas em torno
do lar.
A
presença feminina, em determinado momento, vem subverter a ordem vigente. O
reflexo que surge aí não é apenas o da classe média bem comportada, mas também
a sua parcela mais emergente, que fugia dos padrões impostos.
Mostrando
a evolução dos conceitos da época, na década de 30 começam a aparecer na
imprensa muitas propagandas dirigidas ao público feminino. Além, também, de um
crescimento visível do número de mulheres que se ofereciam para trabalhar como
amas-secas e cozinheiras. E outras que aceitavam encomendas de doces, para
bailes, festas e casamentos.
Pioneirismo
“Depois
que o último golpe de tesoura jogou ao chão a derradeira trança loura, a mulher
sacudiu a cabeça, agora levíssima e sorriu para o seu novo destino. A vida
moderna deu-lhe vários presentes, entre eles a faculdade de poder caminhar com
firmeza, pensar com seu próprio raciocínio e viver com a vida ganha pelas suas
próprias aptidões. Aos poucos, ensaiando novos costumes – como novos passos de
dança – conseguiu, ensinuou-se dentro de todos os centros de cultura e
trabalho.
Arte
e ciências foram experimentadas. Por último, o Rádio uma descoberta novíssima –
atrai-lhe a atenção. Curiosamente, apenas a princípio, a voz feminina
acercou-se do microfone, o qual, dócil aos seus caprichos, tornou-se em pouco
um dos seus maiores aliados. Logo surgiram em todas as partes do mundo
locutores de vozes amáveis – novas speakers influídas com a profissão
mais moderna do século.” É dessa forma que a Revista Carioca, de 30 de
janeiro de 1937, tratava a presença feminina no Rádio.
No
início dos anos 30, as emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro já começavam a
se preocupar, de fato, com uma programação radiofônica mais elaborada. Não eram
transmitidos apenas trechos de música ou discursos. Surgiram, nessa época,
programas de vários gêneros. E entre eles estavam alguns dedicados ao público
mais assíduo do Rádio: o feminino.
No
Rio de Janeiro, um dos pioneiros foi o programa “Hora do Lar”, comandado por
Aspázia, na PRC-8, Rádio Guanabara. Compreendia ensinamentos domésticos, aulas
de teoria musical e conselhos de beleza. Recebia, em média, 250 cartas por mês.
Conforme matéria na Revista Carioca, a locutora pretendia ficar
incógnita. “Resolvi ser speaker depois que me convenci que trabalhando
paciente conseguiria ampliar as finalidades do meu programa interessando
satisfatoriamente aos ouvintes.”
Um
programa feminino de muita repercussão nos anos 30 era “A Voz da Beleza”, da
PRA-3, Rádio Clube do Rio de Janeiro. No comando estava a locutora Léa Silva.
Ia ao ar diariamente das 13 às 14 horas. A Revista Walkyrias, de julho
de 1936, comenta: “o mundo feminino segue atentamente seus conselhos. Um
programa original e atraente. Consigna um justo orgulho à direção de uma
mulher”.
A
Revista O Malho de 11 de junho de 1935 destaca que entre os programas do
gênero, “A Voz da Beleza” era considerado o melhor do gênero.. “Através do
espírito de Léa, torna-se o Rádio um objeto de primeira necessidade para a
mulher que quer ser elegante e sedutora.” Num tom de crítica, a revista
completa: “um programa dedicado às mulheres e naturalmente pouco ouvido pelos
cronistas de Rádio”. A Revista A Cena Muda de 26 de fevereiro de 1946,
comentava que a locutora parecia ter compreendido o verdadeiro sentido da
radiodifusão, pois parou de ler as cartas elogiosas que recebia dos ouvintes e
melhorou o nível do programa. “Hoje, Léa mudou. Efeito do tempo? Seu programa
para o sexo frágil merece ser ouvido. Além de seus conselhos, toca músicas... é
alguma coisa que se recomenda no Rádio carioca.”.
“A
Voz da Beleza” fez escola em diversas cidades do interior. Em Santos, estado de
São Paulo, havia um programa, com o mesmo nome, comandado por Adelina Pereira
da Silva, que conta como tudo começou. “Fui, em 1936, visitar minha irmã no Rio
de Janeiro. Lá, minha amiga Léa fazia esse programa na Clube e me encantei.”
Assim que voltou a Santos, Adelina procurou a Rádio Atlântica e iniciou, em
1937, um programa parecido e que ia ao ar diariamente das 15h30 às 16h30;
adotou então o pseudônimo de Lina Léa. Ela usava esse horário para falar sobre
formas de beleza, noções de tratamento de pele, cabelos e ginástica. Foram ao
todo 26 anos de atividade, sendo 6 na Atlântica, 14 na Rádio Clube de Santos e
6 anos na Cacique.
Nesse
tempo todo, o programa foi o mesmo, o que para a locutora demonstra que a
fórmula deu certo. A aceitação do público era muito grande. “Todos conheciam
Lina Léa, gostavam do estilo. Nunca houve por parte dos colegas qualquer
preconceito por eu ser mulher. Só senti isso quando me separei do meu marido
Marcelino dos Santos, também radialista. Daquela época para cá a mulher
evoluiu muito. O Rádio fez a mulher mudar, mas a televisão foi responsável pela
maioria das transformações.”
Cumplicidade
A
Rádio Transmissora do Rio de Janeiro apresentava, em 1937, “De Mulher Para
Mulher”, comandado por Irma Gama. Um programa que promovia uma troca de
conhecimento entre todas as mulheres, servindo ao mesmo tempo de guia e
conselheiro. Em “Trabalhando e notando o trabalho de outras criaturas,
lembrei-me um dia de organizar um programa radiofônico que trouxesse à mulher
alguma utilidade”, declarou Irma para a revista Carioca de 30 de janeiro de
1937. Havia, também, uma preocupação com a culinária, com a literatura,
orientação psicológica pelo microfone ou particularmente para o endereço das
ouvintes.
Uma
mulher que teve seu nome sempre ligado à história do Rádio foi Ismênia dos
Santos. Atuou em diversas atividades radiofônicas. No caso dos programas
femininos, comandou o “Programa das Damas”, onde lia crônicas de Genolino Amado
e ensinava fundamentos sobre beleza, conseguindo um grande número de fãs. A
Revista Carioca de 30 de janeiro de 1937 afirmava ter Ismênia “uma voz
mansa e verdadeiramente feminil”, que agradava os ouvintes da PRE-8. Sobre seu
sucesso declarou, em 1937: “encontro-me à vontade dentro de minhas novas
funções. É certo que existe uma grande diferença entre o sucesso. Mas eu
procuro sempre me aperfeiçoar. Gosto de saber quando estou agradando ou não.
Entrei para o Rádio para ser uma artista. Já fiz “Sketes”, humorismo e
canto. Acabando como speaker tenho a impressão de estar iniciando uma
coisa nova”.
Outra
locutora de destaque, que exerceu várias funções no Rádio, foi Ilka Labarthe.
Entre seus programas mais conhecidos estava “A Hora Feminina”, da Cruzeiro do
Sul, Rio de Janeiro. Em reportagem à Revista da Semana, de julho de
1940, mostrou a importância de seu trabalho. A apresentou, como exemplo das
cartas que recebia diariamente, a de uma ouvinte paralítica que tinha no Rádio
o seu companheiro.
“Senhora,
afastei todos de junto de mim, até mesmo a enfermeira que continuamente tenho
ao meu lado, queria ouvir a sua resposta sozinha, como sempre estou, com minha
dor. Fiz-me transportar para a sala de música, liguei o Rádio e recolhidamente
escutei as palavras boas e humanitárias que me dirigiu. Seria hipocrisia
confessar que meu amargor e meu sofrimento desapareceram. Mas a dor de outras
criaturas que citou no programa são bem maiores que as minhas.” Para Ilka, a
estória dessa moça foi um caso doloroso; ela estava com 22 anos quando sofreu
um desastre e ficou paralítica. Durante muito tempo trocou correspondência com
a locutora e depois se tornaram amigas.
A
jornalista Silvia Autori iniciou sua carreira, em São Paulo, no Diário da
Noite, atuando, em 1934, como cronista e repórter. Depois foi para o Rio de
Janeiro e assumiu “A Hora Feminina”, da Rádio Ipanema. Ao ser inaugurada a
Tupi, em 1935, foi convidada para transmitir um programa infantil. Silvia
declarou à Revista do Rádio de 27 de junho de 1950 que a idéia era muito
interessante. “Nesse tempo eu estava tentando a carreira no Rádio com um
programa feminino que de modo nenhum me agradava. As senhoras queriam receitas
de bolo e tinturas de cabelo, tomei ojeriza por esses programas.”
Quando
ainda era estudante de Direito, Nena Martinez começou atuar na Ipanema, PRH-8.
A locutora declarou à Revista A Cena Muda de dezembro de 1952 como
surgiu a vontade de realizar um trabalho dedicado às mulheres. “A idéia era
falar sobre os assuntos que mais dizem respeito ao sexo fraco, elegância,
culinária, pediatria, etc. Faço questão de afirmar que no meu programa não
tenho consultório sentimental, porque acho que ninguém tem capacidade de
resolver os problemas alheios, se às vezes não conseguimos resolver os nossos.”
Nena
Martinez formou-se em Direito, em 12 de dezembro de 1942, pela Faculdade
Nacional de Direito do Rio de Janeiro. “É talvez a única locutora a usar o Dr.
antes do nome”, enfatizava a Revista A Cena Muda, de outubro de 1944.
Em
1939, Sonia Veiga transmitia, pela Transmissora do Rio de Janeiro, um programa
após o meio-dia dirigido à mulher. A Revista O Malho de setembro de 1939
explicava que a locutora havia deixado o teatro pelo Rádio e agradava “porque
Sonia é inteligente e capaz de grandes iniciativas, sabe viver por si mesma”.
Nesse mesmo ano, Marisa Salomão apresentava, também na Transmissora, “A Nossa
Palestra”, com crônicas sociais, noticiários, comentários artísticos, além de
conselhos de beleza.
Elza
Marzulo comandava todas as tardes, na Tupi do Rio de Janeiro, o programa
“Elegância e Beleza”. Além disso, a locutora participou também dos programas de
Almirante, entre eles, “Caixa de Perguntas”, “Tribunal de Melodias” e
“Curiosidades do Folclore”, junto com Manoel Barcelos e Raul Brunini.
São
Paulo
As
Rádios também criavam seus horários dedicados às mulheres paulistas. O livro Cronologia
do Rádio Paulistano cita que, em 1º de setembro de 1931, acontecia o
lançamento do “Hora do Lar”, na Record, dedicado às donas-de-casa. No comando
estava a Senhora Blumenschein e o programa ia ao ar às segundas, quartas e
sextas-feiras, das 13 às 13h15. Já em 3 de novembro de 1932, a Cruzeiro do Sul
transmitia o “Hora Azul”, às quintas-feiras, às 19h45, com palestras sobre o
lar, consultório sentimental, música e conselhos úteis.
Já
em 10 de fevereiro de 1933, acontecia na Cruzeiro do Sul o “Hora das Donas de
Casa”, das 13 às 14 horas. Contava com músicas, economia doméstica, elaboração
de cardápios, conselhos variados, crônica cinematográfica e também sessão de
grafologia. No mesmo ano, a Rádio Educadora lançava o “Programa das Mãezinhas”,
das 9h30 às 10 horas, dedicado às jovens mães, com conselhos sobre higiene,
educação e alimentação infantil.
A
Rádio Tupi de São Paulo estreava, em setembro de 1937, o “Jornal do Lar”, das
16 às 16h30. No comando estava Maria Claudia; o programa mostrava assuntos de
interesse feminino. No dia 11 desse mesmo mês e ano, a Educadora paulista
lançava o “Alvorada”, com apresentação de Walter Forster, Maria de Lourdes Andrade
e Alberto Cavalheiro. Ia ao ar das 7h30 às 9 horas e tratava de assuntos para a
mulher e o lar.
Em
5 de dezembro, a Rádio Cosmos estreava o “Vitória Régia”, das 13 às 14 horas.
Em novembro do ano seguinte, a Cruzeiro do Sul lançava “Um Programa Para Você,
Amiga Ouvinte”. No comando estava Cacilda Varella, vencedora de um concurso
organizado pela emissora.
Uma artista que fez muito sucesso no Rádio foi Sagramor Scuvero. A
Revista da
Semana de
maio de 1946 conta como tudo começou. A locutora chegou ao Rio de Janeiro por
volta de 1934. Já havia criado nas emissoras de São Paulo “um gênero inédito,
certamente modernizado de programas femininos, aos quais soube imprimir um
cunho altamente moral e uma finalidade construtiva”. Sagramor não se
especializou apenas em ler páginas românticas ou dar conselhos de beleza e
receitas culinárias, embora essas modalidades também constassem de seu trabalho
cotidiano.
O
programa de maior sucesso e que consagrou definitivamente a locutora foi “O Mundo
Não Vale O Seu Lar”. A Revista A Cena Muda de 18 de agosto de 1946
explicava que Sagramor Scuvero criou com seus programas “uma verdadeira
auréola de simpatia em torno do seu nome”. Era difícil encontrar alguém
do “sexo frágil” que não fosse sua ouvinte obrigatória. Poetisa, escritora de
livros infantis, radiofonizou, também, a vida dos grandes cientistas. Recebia
um grande número de telefonemas e uma volumosa correspondência de seus fãs.
Casou-se com seu colega de Rádio, o escritor e redator Miguel Gustavo. No dia
da cerimônia religiosa, a igreja ficou superlotada e o centro da cidade do Rio
de Janeiro parou.
Em
1942, um anúncio do mês de agosto na Revista da Semana chamava a atenção
para a programação apresentada diariamente, às 13 horas, por Sagramor: Um
Programa da sua PRA-9 para a Mulher Brasileira . Segunda-feira:
“Para Você, Mãezinha” – uma audição com tudo o que as mães devem saber e um
médico pediatra que responde às consultas dos ouvintes.
Terça-feira:
“Cozinhando pelo Rádio” – uma irradiação diretamente da cozinha de uma ouvinte
com todos os ruídos e detalhes da feitura de um prato gostoso. Na quarta-feira:
“Marcha Nupcial” – dedicado às noivas, ao enxoval, ao futuro lar, com o clube
das Noivas que atendia solicitações de modelos e sugestões.
Já
na quinta-feira era hora de “O Mundo Não Vale Seu Lar”. Uma audição dedicada à
solução das pequenas dificuldades diárias de um lar, com o clube da Economia,
sugerindo planos de gastos e de tempo. E, no sábado, era a vez de “Moda,
Elegância e Beleza”. As jovens contavam com conselhos de maquiador,
cabeleireiro e um figurinista que respondiam sobre o tema “Qual o Seu Tipo”.
Além
de atuar no Rádio, Sagramor Scuvero também escrevia crônicas na Imprensa. A
seguir, um exemplo do que era publicado e também do que era dito no Rádio, em
“O Mundo Não Vale O Seu Lar” publicado na Revista da Semana de 02 de
fevereiro de 1943.
“Diante
da escuridão quase inimiga da noite que cai, você abre a janela. Está sozinha
dentro do seu lar. Há uma tristeza em seus olhos, que quase querem chorar, em
seus lábios excitantes.
Você
casou sonhando por aquela noite na poltrona, uma conversa amiga e afetuosa. E
muitas vezes foi assim... mas neste instante tudo falhou, a noite caiu, a
poltrona está vazia, o abajour apagado, as crianças dormindo. E ele, o senhor
desse lar, encontrou um amigo, uma conversa, uma mesa no bar da esquina.
Vamos...
guarde essa vontade de chorar! Abra seus lábios num sorriso. Você, a mulher
mais bem acompanhada do mundo, pensando que está sozinha!
Olhe
bem a noite que vai lá fora e as pessoas que se cruzam dentro dela. Deixe
alerta seus sentidos e ouvirá os ruídos que chegam da noite e moram na
serenidade perfumada de seu jardim. Ouça-os...
Choro?
Choro, sim! Num berço qualquer, velho e gasto, há uma criancinha chorando.
Talvez a fome, talvez uma doença, que nem sabe descrever.
Soluços?
Soluços, sim. Uma mulher que dentro da noite tem um pedacinho de lua num quarto
qualquer, muitos nomes de homem na sua história e nenhum dentro de sua vida. E
não pode fechar uma janela para as sombras da noite, porque, as sombras estão
ao seu lado dentro do quarto poder.
Gemidos?
Gemidos, sim. Alguém que sofre, dentro da noite a dor de um açoite, talvez no
rosto, talvez na alma. O açoite, que não encontrou o anteparo de um teto, cai
fatalmente sobre as criaturas.
...
e os seus olhos têm quase vontade de chorar! Primeiro peça licença às vozes que
chegam da noite. Você, que tem leite quente e pão fresco em sua cozinha, antes
de chorar e se sentir infeliz, peça licença às criancinhas que choram fome e
desabrigo.
Você,
que tem um homem forte por você, filhos, um lugar agradável vida social de
todos, um lar que fecha portas e janelas para o mundo mau, antes de soltar suas
lágrimas peça desculpas à mulher que sofre.
...
e, antes de lastimar a grande infelicidade de estar sozinha nesse começo de
noite, peça licença àqueles que vivem e caminham sozinhos, tendo somente a
companhia das tempestades, das lutas, das amarguras...
É
mais fácil, mais doce e mais amigo guardar a vontade de chorar e mandar para os
lábios um sorriso bom. E se alguma coisa ficar de triste e amargo no seu
coração que sejam a piedade pelas vozes que não podem dizer como a sua – “O
Mundo Não Vale O Meu Lar.”
Sagramor
também atuou na política. O escritor Sérgio Cabral conta no livro No tempo
de Almirante: uma história do Rádio e da MPB, de 1990, que, em 1947,
a locutora era muito famosa e se candidatou pelo Partido Republicano a um cargo
de vereadora. Nessa eleição foram eleitos dois radialistas: ela e Ari
Barroso.
Programas
infantis
As
crianças tinham um espaço nas emissoras. Diversos programas dedicados a esse
público tornaram-se conhecidos e em sua maioria eram apresentados por mulheres.
Mario Ferraz Sampaio, no livro História do Rádio no Brasil e no Mundo.
Memórias de um pioneiro, de 1994, Em junho de 1926, a Educadora de São
Paulo inicia as primeiras experiências com o transmissor de 1000 watts e
amplia o horário de suas transmissões. Entre as novidades estava “Quarto de
Hora da Criança”, apresentado às 17h30, com “Tia Brasília”, uma professora
assim batizada em concurso, promovido entre os ouvintes, cujo nome verdadeiro
não aparece, mas se tratava da irmã da Senhora Pérola Byington, casada com
Alberto Byington. Em outubro desse mesmo ano, “Tia Brasília” inicia uma
campanha filantrópica para compra de aparelhos de Rádio para serem doados às
crianças de hospitais e creches.
Em
julho de 1931, a Rádio Sociedade Record introduz um programa dedicado às
crianças, “Hora Infantil”, apresentado por Joaquim Carlos Nobre. Ia ao ar aos
domingos com histórias, canções e perguntas de cunho educativo e recreativo.
Os
programas infantis, principalmente nas Rádios de São Paulo, tinham muitas vezes
a presença de escritores ilustres, como Monteiro Lobato que, em 30 de novembro
de 1931, falou para as crianças no programa “Hora Infantil” da Record. E
também, Orígenes Lessa, que leu para os ouvintes as “Aventuras e Desventuras de
um Cavalo de Pau”, e Pascoal Magno, que declamava poemas de seu Livro Ciranda.
Em
1932, Mary Buarque criou o “Pequenópolis”. Ali participavam artistas precoces
que cantavam e recitavam versos de grandes poetas brasileiros. No comando
estava Moacyr Vaz Guimarães, que tinha sete anos. Era transmitido pela PRE-7, Rádio
Cosmos de São Paulo.
A
partir da grande repercussão das “matinês infantis”, da Rádio Record,
transmitidas diretamente dos cines República e Olímpia, em 1933, onde apareciam
os personagens Chiquinho, Chicote e Chicória, criações de Nhô Totico, os programas
infantis passaram a ser um rico filão para as emissoras paulistas.
A
Cruzeiro do Sul de São Paulo lança, em 2 de abril de 1937, sob a direção da
professora Virgínia Rizzardi, a “Tia Justina”, um programa eminentemente
educativo, cujo objetivo era a formação intelectual das crianças. Ia ao ar às
16 horas e tinha música, anedotas, concursos e prêmios escolares.
Já
a Difusora apresenta, em junho de 1937, “As Aventuras de Dick Peter”, com
concursos e prêmios estimulando a imaginação da garotada. E, em 20 de julho do
mesmo ano, na mesma emissora, surge o Clube do Papai Noel, que dava direito a
carteirinha e assistência médica aos associados. Durante a semana eram tocadas
as músicas pedidas pelos sócios mirins. E, aos domingos, eles mesmos se
apresentavam cantando, representando e recitando poesias ao microfone.
A
Sociedade Bandeirantes de Rádio optou por levar ao ar, nesse período, as
histórias de “Quim, o pequeno bandeirante”. Eram textos de cunho histórico,
escritos e narrados por Joaquim Carlos Nobre, transmitidos às segundas, quartas
e sextas-feiras, às 18 horas.
Em
3 de setembro de 1937, os Diários Associados, de Assis Chateaubriand,
incorporam também o Rádio. No dia seguinte à sua inauguração, a emissora inclui
em sua programação o “Tupi dos Garotos”. No comando estava Silvia Autori – Tia
Chiquinha –, que já era dona de sucesso, há algum tempo, desse mesmo programa
na Tupi do Rio de Janeiro.
Em
entrevista à Revista do Rádio de 27 de junho de 1950, Silvia Autori
explicou essa nova fase. Em 1935, fazia programas femininos que não a
agradavam. Ao ser convidada para trabalhar com crianças, “corri ansiosa para
fazer algo de bom no Rádio. Pareceu-me justo que as crianças também tivessem
programas, que pudessem ouvir coisas úteis.” A “Hora Infantil” tinha vários artistas
cômicos e a parte literária era orientada pela apresentadora.
Em
abril de 1936, Revista Carioca dedica um grande espaço para falar do
trabalho desenvolvido por Silvia Autori, chamando-a de uma criatura abnegada
que dedica todo o seu tempo para divertir e instruir as crianças. E a locutora
explicava como era esse trabalho. ‘A Hora do Guri’ não possui, unicamente uma
tia a dirigi-la, e sem uma verdadeira família a orientá-la. Temos aqui, um
primo Carlos, o Speaker, um ‘Tio João’, o cronista do programa e o professor
Bacraó, humorista”. O programa apresentado na PRG-3, no Rio de janeiro, contava
com um coral de 50 vozes infantis, e vários quadros entre crianças, designados:
“Guri Repórter”, “Guri Ouvinte” etc. As crianças também escreviam e tinham seus
nomes mencionados no programa.
Silvia
Autori, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, fez muito sucesso. A Revista
do Rádio, de 30 de maio de 1950, lembrava que Tia Chiquinha era uma
criatura de voz doce, cheia de ternura, que contava deliciosas e construtivas
histórias. E, em 1936, tinha 10 mil sobrinhos cadastrados e entre eles estavam
as cantoras Marlene e Marion.
A
cidade de São Paulo continuava com os programas infantis. A Excelsior, PRG-9,
apresentava, em novembro de 1937, “Ravengar”, criação de Otávio Gabus Mendes.
Eram estórias baseadas no detetive Bob Steves e suas peripécias.
Em
2 de janeiro de 1939, estreava o programa “Sítio de Dona Benta pelo Espaço”, na
Rádio Cultura, das 9h45 às 10 horas. Programa infantil diário com direção de
Monteiro Lobato e com Sagramor Scuvero no papel de dona Benta. E aos domingos
acontecia o “Programa Infantil” das 9h30 às 10h30, com direção de Sagramor
Scuvero e Nenê Camargo Braga.
Nesse
mesmo ano, a Excelsior lançava em maio o “Programa da Carochinha”, comandado por
Virginia Rizzardi, Tia Justina, das 17h15 às 17h30. E em 3 de agosto estreava
na Bandeirantes, às 16h30, o “Teatro de Brinquedo” com a peça Rainha Malvada.
Uma adaptação de Sagramor Scuvero de um conto popular húngaro. O elenco era
formado por crianças de 7 a 12 anos.
As
emissoras do Rio de Janeiro também ofereciam um grande espaço para as crianças.
A Revista Carioca de 11 de abril de 1936 resolveu dedicar diversas
páginas a esse tema. E cita que a Rádio Sociedade foi a primeira estação
“inventora das aulas de história para crianças”. Desde 1930, Beatriz Roquete
Pinto, que “herdou de seu incansável pai o mesmo ânimo para as campanhas
vitoriosas”, conta histórias através do “Quarto de Hora Infantil”. Antes dela,
o programa era comandado pelo professor João Kopke – o vovô –, e a professora
Heloisa Alberto Torres – Tia Joana.
E
Beatriz Roquete Pinto conta como tudo começou. “A princípio só contava
histórias recreativas, reservando apenas alguns minutos para responder as
cartas que me eram dirigidas pelos meus pequenos sobrinhos – porém, há dois
anos (1934) ampliei o programa organizando o orpheônico sob a direção do Senhor
José Brandão, professor de música e canto orpheônico de Villa- Lobos.” Depois,
a direção passou para a professora Cacilda Borges. O sucesso do programa e o
resultado foram excelentes; lá se revelaram uma série de artistas, entre elas,
Lídia Matos.
“Prefiro
contar histórias recreativas – as crianças, depois de um dia no colégio
preferem, ao chegar em casa, ouvir, segundo suponho, o Sherloquinho e a Gata
Borralheira. E, apesar da insistência em quererem, cantar sambas e marchas,
vejo, pelas cartas e telefonemas que recebo, que as histórias de fadas ainda
são as preferidas”, concluiu Beatriz.
“Tia
Lúcia” era um nome bem conhecido e amado pelas crianças do Rio de Janeiro. Esse
título não definia especificamente uma locutora e sim três. As professoras
Marina de Pádua, Augusta de Queiroz Oliveira e Ilka Labarthe encarnavam a
figura sugestiva e misteriosa de Tia Lúcia. “Que passeia com as crianças no
tapete mágico e que ensina utilíssimos assuntos conversando com um sigilo tanto
maior quanto mais intensa curiosidade desperta.”
Marina
de Pádua explicou à Revista Carioca como funcionava um programa no qual
três mulheres tinham o mesmo nome. “Tia Lúcia, não é bem uma figura, é um
título. Quando o professor Roquete fundou a PRD-5, foi idealizado um tipo de
‘tia’ que ensinasse histórias, e desse aulas abrangendo todos os assuntos
referentes a utilidade das crianças.” Eram dadas aulas de diversas matérias,
cada professora fica responsável por duas. “Marina de Pádua é uma Tia Lúcia que
encanta e instrui. perto dela, a gente tem vontade de aprender de novo o
A-B-C”, enfatiza a reportagem da revista.
Outra
professora que sustentava com alegria o título de “Tia Lúcia” era Augusta de
Queiroz de Oliveira. Dedicava toda a sua atenção à correspondência escolar,
gostando de conservar o anonimato. As pessoas que a ouviam não imaginavam ser
ela tão jovem. “As ‘Tias Lúcias’ dão essa impressão: talvez pela cultura que
causa estranheza em criaturas tão moças e simples”, diz a Revista Carioca.
Mas,
certamente, Ilka Labarthe foi a mais famosa das “Tias Lúcias”. Criadora do
quadro “Tapete Mágico”, que fazia com que as crianças e os adultos se
imaginassem viajando por diversos países, através de suas histórias.
Além
de ser diretora dos programas do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
e ter se dedicado a vários programas femininos, era, na opinião da Revista Carioca,
de 18 de abril de 1936, “a dona da voz mais clara e ótima dicção feminina do
nosso Rádio”. As suas aulas eram transmitidas pela PRD-5 e pela PRA-9.
Afilhada
de uma atriz famosa, de quem tomou o nome como homenagem, Ismênia dos Santos
era conhecida como a “speaker número 01”. Atuou em companhias teatrais
de comédias e operetas. Iniciou na Rádio Clube interpretando esquetes. Durante
sua carreira fez programas femininos, humor e, em 1936, tornava-se a “Vovó da
Rádio Nacional” e deliciava a meninada com o “Hora dos Garotos”. Ela nasceu na
cidade de Campos, no dia 19 de março de 1910. Foi casada com Victor Costa.
Uma
das colaboradoras do programa “Hora do Guri”, da PRG-3, era Dulce Malheiros.
Tinha uma característica bem diferente, imitava com perfeição diversas vozes.
Juntamente com o Capitão Furtado foi criadora de diversos tipos, dando um cunho
humorístico a esse programa. Além disso, cantava músicas regionais e gravou
alguns discos de humor.
Armando
Migués fez uma grande reportagem na Revista A Cena Muda, 15 de abril de
1945, sobre Silvia Regina. E a descrevia como alguém que vinha
prestando sua colaboração ao Rádio nacional, como no setor do radioteatro, quer
na parte de redação do “Programa do Garoto”, apresentado pela Cruzeiro do Sul,
e “dedicado ao pessoalzinho miúdo”.
Inclinada
pela profissão a lidar com as crianças, Silvia Regina era professora formada;
criou um programa em que fosse possível contar histórias, divulgar
conhecimentos úteis, explicar noções de higiene, ensinar jogos infantis. Ela
começou no Rio Grande do Sul. E a partir de 1938 atuava na Cruzeiro do Sul do
Rio de Janeiro. O “Programa do Garoto” contava com um teatrinho apresentado
pelas próprias crianças.
Os
programas infantis revelaram diversas artistas para o Rádio. Entre elas,
Agripina Duarte, conhecida como a número 01 de São Paulo. Com 16 anos, em 1934,
cantava sambas e marchas na Record. Já Lola Silva foi eleita no mesmo ano pela
Revista Sintonia a princesa do Rádio infantil. Uma das vozes mais
aplaudidas do microfone. E também, Nana Oliveira, que iniciou no “Hora
Infantil”.
Conclusão
Durante
o período de 1923 a 1943, muitas mulheres se destacaram nas mais diversas
atividades. No Rádio, enfrentaram o desafio de comandar programas voltados ao
público feminino e infantil.
Ao
analisar os temas apresentados no programas femininos nos vinte primeiros anos
do Rádio, nota-se claramente que quase nada mudou na programação dedicada a
mulher, transmitida atualmente pelas emissoras de televisão.
Conselhos
médicos, economia doméstica, dicas de beleza e elegância e a receitas
culinárias ainda permeiam o universo feminino diariamente em quase todos os
canais abertos de nossa TV.
Quanto
aos programas infantis a programação, em sua maioria, mudou bastante. Nos 20
primeiros anos do Rádio a temática girava em torno de da literatura e
desenvolvia a imaginação das crianças contando histórias, muitas vezes narradas
e desenvolvidas por grandes escritores.
Uma
outra modalidade eram as transmissões voltadas para os talentos infantis que
cantavam, declamavam e também atuavam como locutores. Uma programa semelhante
ao “Gente Inocente” , apresentado atualmente pela TV Globo.
Reunir
todo esse material, classificar, comparar foi um trabalho gratificante.
Procurando informações em diversas fontes, sentíamos o quanto é necessário resgatar
nomes de artistas que serviram de exemplo para os profissionais de hoje.
É
fundamental que surjam outros trabalhos para aprofundar essa temática. O Rádio
é um veículo fascinante. Os programas femininos e infantis serviram de
paradigmas a tudo que é feito hoje, temos de comunicação, principalmente na
televisão.
Referências
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pseud. de Henrique Foréis Domingues. No tempo de Noel Rosa, Rio de
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VÁRIOS
AUTORES. Actores e Actrizes, Rio de Janeiro, Officinas de Obras Graphico
das S/A à Noite, ano 1940, 1ª edição.
Revistas
Revista
A Cena Muda, Coleção de 1942 a 1950, Rio de Janeiro.
Revista
Careta, 1950 a 1955, Rio de Janeiro.
Revista
Carioca, 1935 a 1937, Rio de Janeiro.
Revista da Semana,1935 a 1946; 1951 e 1955; Rio de Janeiro.
Revista
Fan Magazine, janeiro, fevereiro e março de 1938, Rio de Janeiro.
Revista
Flama, 1923 a 1947, Santos, São Paulo.
Revista
Fon Fon, 1932, 1935 a 1936.
Revista
O Malho, 1934 a 1939, Rio de Janeiro.
Revista
Propaganda, “Os anos do Rádio”, ano 27, nº 327, São Paulo, janeiro de
1983.
Revista
Rádio Paulista, março de 1927 a dezembro de 1927, janeiro de 1928 a
novembro de 1928, São Paulo.
Revista
Radiolândia, 1954 a 1958, Rio de Janeiro.
Revista
Rezenha Musical, setembro de 1938 até janeiro de 1941 Araraquara, São Paulo.
Revista
Única, abril de 1926, Rio de Janeiro.
Revista
Walkyrias, agosto de 1934 a dezembro de 1943, Rio de Janeiro.
Jornais
Jornal
A Tribuna – Caderno Especial em comemoração aos 100 anos de publicação,
Santos, São Paulo.
Jornal
Brasil Feminino, fevereiro, março e junho de 1932; janeiro de 1933;
fevereiro, março, novembro e dezembro de 1935; Rio de Janeiro.
Jornal
Comunidade Urca, dezembro de 1992, Rio de Janeiro.